sábado, 15 de agosto de 2009

Palavras inscritas em pedras




As palavras não deveriam existir. Por que não se contentou com o sonho, a precária imagem silenciosa? Para que jogar tudo num universo perigoso de frases inexatas? Esperaria ela aquela tarde cinzenta com gosto de morte? Adivinharia ver encostas vastas e tristes? Ter o corpo retorcido por rios internos ainda tão quentes? Sonhou algum dia a volta lenta deslizando sobre uma estrada de atmosfera fumacenta e sufocante? Naquela volta, ela por um momento se surpreendia com sua nova descoberta. Mas tudo vinha ardendo em seu sangue, numa realidade que saltava em jorro e não podia ser ignorada. Onde estivera nos últimos dias? Em sonho, supunha. Fora um sonho aquela noite mágica em que teve que derramar, pela primeira vez com humildade e candura, o que tinha por dentro. Aliás, ela sentia, presumia: o que estava dentro de si havia sido tudo. Fora a força destas águas internas que por muito tempo a levou a fazer inscrições em pedras. Ela estava pasma: em pedras! Como pudera? Não deveria ter consciência de que palavras são feitas para o vento? Pedras: tudo o que a partir de agora passava a constituir seu ser. As águas o iam esvaziando, e ele ia endurecendo e se tornando encostas desabitadas de vegetação sombria. Ela sentia que sua tristeza vinha justamente das pedras que pressentia por baixo de toda aquela cinza. E era duro para seus olhos ter de se acostumar à nova realidade que se apresentava à sua frente. Retorcia-se para ver um vale que já estava ficando para trás: era muito breve seu olhar sobre aquele relevo em forma de garganta. (Teria piedade de si mesma ao ver a própria representação dos gritos silenciosos, dos rasgos, que neste momento a consumiam?) Mas lembrava-se, com uma quase certeza, de que usou palavras calmas ao final. Palavras sinceras, já há muito óbvias para ela. Palavras que fluíam realmente cândidas, como as de uma criança. Sabia que durante aqueles minutos penumbrosos fora ela mesma. Orgulhava-se disso. As palavras saíram de um modo tão liso que a surpreenderam. Não se arrependeu daquelas sílabas sonoras e cheias de significado. Na verdade, tudo antes daquele momento é que realmente havia sido noite. Não deveria ter desconfiado da carícia fria do vento que envolvia aquela mesma estrada, na noite em que fizera com ousadia o caminho inverso ao que estava fazendo agora? Nos breves momentos de medo, nessa noite na estrada, o que a levou a acreditar que houvesse vida por baixo de toda aquela escuridão foi a lembrança de palavras que colheu do vento e inscreveu com displicência nas pedras de sua alma.
Ela não queria de palavras-vento o relevo de seu amor.

2 comentários:

  1. Patricia seus sentimentos são os mais puros e sinceros .Você consegur expressá-los de forma doce e encantadora.bjs

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